Decisão ocorre 13 dias após ataques aos três Poderes; novo comandante fez discurso defendendo respeito ao resultado da eleição
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demitiu o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília. A decisão foi comunicada ao militar neste sábado (21).
O novo chefe da Força é o atual comandante militar do Sudeste (responsável por São Paulo), general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva. Nesta semana, ele havia feito um discurso incisivo de defesa da institucionalidade, pedindo o respeito ao resultado das eleições e afirmando o Exército como apolítico e apartidário.
O general Júlio Cesar de Arruda, demitido do posto de comandante do Exército pelo presidente Lula neste sábado (21) –
Arruda tinha sido nomeado para o comando da Força em 28 de dezembro, antes da posse de Lula como presidente. Ele havia sido escolhido por critério de antiguidade pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
Segundo auxiliares do presidente, a decisão foi tomada porque Arruda não demonstrou disposição de tomar providências imediatas para reduzir as desconfianças de Lula em relação a militares do Exército após a invasão do Palácio do Planalto e das sedes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso. Arruda relutou em expôr o Comando Militar do Planalto, que no mínimo falhou no dia 8.
Em uma conversa recente com Múcio, Arruda afirmou que não se sentia “forte junto à tropa” para conduzir um processo que seria apontado por muitos como um expurgo —além disso, ele enfrenta problemas de saúde.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante cerimônia na sede da pasta — Foto: Reprodução
De acordo com relatos de aliados de Lula e generais ouvidos pela Folha, a gota d’água para exoneração foi Arruda ter resistido ao pedido de Múcio para que o tenente-coronel Mauro Cid fosse retirado do comando de um batalhão do Exército em Goiânia (GO).
Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) e, como a Folha revelou, entrou na mira da PF (Polícia Federal) após serem identificadas transações suspeitas no gabinete do mandatário. O militar está nos EUA com o ex-presidente.
Na sexta-feira (20), após o portal Metrópoles também noticiar o caso, Lula ordenou a Múcio que Cid fosse retirado da função de comando. O ministro da Defesa conversou com Arruda durante a noite e ele, segundo relatos, resistiu à ordem.
Pesou ainda na decisão, segundo aliados de Lula, a crise dos acampamentos golpistas em frente ao QG do Exército. O ponto alto foi o veto que Arruda e o comandante Militar do Planalto, general Gustavo Dutra, deram à retirada dos bolsonaristas extremistas no quartel na noite de 8 de janeiro.
Mesmo a destituição não foi tranquila. Arruda queixou-se em reunião com os outro 15 integrantes do Alto-Comando do Exército neste sábado que Lula, e não Múcio, é que deveria ter lhe comunicado a demissão. Foi aconselhado a aceitar calado.
Tomás, como é chamado, já havia sido cotado para o cargo, mas alguns petistas temiam que sua grande capacidade de articulação o tornasse uma força independente, assim como Eduardo Villas Bôas foi quando escolhido por Dilma Rousseff (PT) no fim de 2014 —o ex-comandante foi o artífice da volta dos fardados à política.
Além disso, o general está na linha sucessória natural, sendo o mais antigo detentor de quatro estrelas do Alto-Comando, ao lado de Valério Strumpf.
O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste e escolhido por Lula para ocupar o posto de comandante do Exército
Em discurso na quarta-feira (18) durante uma cerimônia no QGI (Quartel-General Integrado), em São Paulo, que o resultado das urnas deve ser respeitado, independentemente do presidente exercendo o mandato.
Sem citar o nome de Lula, o comandante afirmou que “não interessa quem está no comando, a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito”. Disse também que ainda que houvesse um “turbilhão, terremotos, tsunamis”, continuarão coesos, respeitosos e garantindo a democracia.
Em outro trecho, afirmou: “Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar. É isso que se faz. Essa é a convicção que a gente tem que ter. Mesmo que a gente não goste”, afirmou. “Nem sempre a gente gosta. Nem sempre é o que a gente queria. Não interessa. Esse é o papel de quem é instituição de Estado. Instituição que respeita os valores da pátria, como de Estado.”
Folha>Figueirêdo